Enquanto uns têm preços, outros têm valores

06

mar | 2019

Enquanto uns têm preços, outros têm valores

Valor é um sentimento que desenvolvemos para pessoas e coisas que gostamos. Valor também virou uma medida econômica: valor de mercado, valor de compra, valor de troca... Porém é fundamentalmente um sentimento.

Outro dia escutei um rapaz dizendo que queria se matar. Ele estava com sérios problemas financeiros, sua empresa quebrou, as dívidas se tornaram uma pressão quase insuportável, seus sonhos e vontade de viver foram por água abaixo e ele pegou o revólver que tinha em casa para se matar. Mas ele tinha um cãozinho, desses pequenos, meio feio, quase velho, com aqueles pelos que parecem arame e esse cachorrinho viu seu dono nesse estado de desespero com um revólver na mão e não teve dúvida pulou em seu colo e começo a lambê-lo e a brincar. Ele não se matou. E o rapaz finalizou sua conversa dizendo: “dou o maior valor para esse cachorro...”. O cachorrinho, agora já velho, estava lá na sala, deitado, despreocupado e de vez em quando olhava para seu dono como se o vigiasse.

É comum ouvir sobre pessoas de quem se gosta bastante: “Dou o maior valor para essa pessoa!” Pai, mãe, carro, gato, papagaio, tudo tem valor, dependendo da forma como se relaciona...

Mudar de casa, de vida, de emprego, de cidade, enfim, mudar de uma maneira geral é sempre desagradável. Quando compramos uma casa, queremos ficar ali para sempre. Arrumamos a casa a nosso gosto, para nos sentirmos bem, à vontade, felizes. E essa casa passa a ter valor: sentimental e econômico. É o lugar onde nos sentimos livres. Quando entramos dentro de casa e fechamos a porta sentimos uma sensação de liberdade que nos invade. Fazemos coisas dentro de casa que normalmente não fazemos na rua, andar pelado, p.ex. Tem gente que gosta de ficar nu em casa e ninguém pode reclamar, pois olhar para dentro da casa dos outros, ficar querendo saber o que as pessoas fazem e, sobretudo, “postar” imagens da intimidade das pessoas, isso pode dar uma bela dor de cabeça para o “invasor”. Afinal, não vivemos um BBB... Nossa casa é “território liberado!” Fazemos o que bem entendemos e é difícil alguém mudar nosso comportamento em relação a isso.

Se compramos um apartamento temos que conviver com outras pessoas em um espaço comum, não no espaço íntimo, dentro de casa, mas temos que conviver com pessoas na piscina, na quadra, no elevador, na escada, na portaria... E isso não tira o valor que nossa “casa” tem. Pode ser até que esse convívio faça com que sintamos ainda mais apreço por nosso apartamento. Esse apartamento, essa “casa”, tem valor.

Se alguém nos atrapalha, incomoda, irrita, tira do sério, devemos mudar de apartamento? Depois de termos posto todas as nossas coisas, plantas, cortinas na casa nova, um ano depois devo mudar por quê meu vizinho é um chato de galocha ou porque o síndico é um incompetente?

Mudar é desgastante, estressante e causa desconforto. Devemos mudar de casa ou devemos mudar de vizinho ou síndico? O incômodo do barulho de cima vencerá sobre meu “valor?”

Se a cada vez que nos sentirmos incomodados nos mudarmos de casa, provavelmente estaremos contribuindo para que a sociedade se torne cada vez pior. Por outro lado, se o síndico é um incompetente, o condomínio vive sujo, desorganizado, com serviços de baixa qualidade não deveríamos trocar o síndico? Não deveríamos preservar nossos valores e tentar nos organizar para mudar o síndico e não mudarmos porque estamos sendo aviltados por uma administração ruim?

É bom sabermos exatamente quais valores, quais sentimentos, queremos sustentar e defender para que nossas vidas não se transformem em uma série de mudanças incômodas enquanto os verdadeiros desvalorizados continuam fazendo o que querem sem ser incomodados...

Charles Le Talludec

Charles Le Talludec

Charles Le Talludec - Advogado