03
mai | 2019
O Brasileiro não tem valor nenhum
Em minha última contribuição para o portal AoSíndico falei sobre “valor”. Disse que valor é um sentimento. Desta vez volto ao mesmo tema, porém, de uma certa maneira, em sentido inverso.
Há poucos dias uma torrencial chuva matou dez pessoas na cidade do Rio de Janeiro e o prefeito daquela cidade, grosso modo, disse que nem todos os meios para se evitar tragédias tinham sido utilizados, mas que seriam utilizados da próxima vez. Dez vidas...
Não faz muito tempo o talvez afastado presidente da mineradora Vale disse que o sistema de alarme tinha sido “engolfinhado” pela lama e por isso as pessoas não souberam da tragédia. Mais ou menos trezentos pessoas morreram naquele “engolfinhamento...”
Ainda há pouco, de novo na cidade do Rio de Janeiro, garotos que sonhavam ser jogadores de futebol e cujos futuros deveriam estar garantidos, pois estavam “albergados” em um grande clube carioca, morreram queimados (imaginem o sofrimento...), porque o sistema de ar-condiconado fora feito com “gatos”, remendos, enfim, serviço porcaria. Esses garotos tinham como dormitório uma imensa lataria adaptada com cortinas e outras coisas do tipo para dar a impressão que estavam sendo bem recepcionados...
Eu poderia alinhar esse tipo de exemplo ad infinitum: Mariana? Teresópolis? Largo do Paiçandu?... A gente cansa...
Existe uma imensa distância entre aqueles que estão “dentro” do Estado brasileiro, e os de “fora”. Nós...
O atual governo federal parece pensar que foi eleito para uma tarefa divina: salvar o país do comunismo... Esse governo foi eleito porque as pessoas cansaram de questões “ideológicas”, contudo o que se vê é uma verdadeira cruzada contra a “esquerda”. Ou seja, é a mesma coisa que a anterior, só a cor é diferente...
Esquerda, direita, me parecem coisas velhas, isso sim “velha política...” Dividir o pensamento entre “nós” e “eles” é, sem dúvida, andar para trás. Hoje temos veganos, ambientalistas, gays, lésbicas, transgêneros, negros, pobres, operários, brancos, síndrome de down, paraplégicos, soropositivos e mais uma infinidade de grupos sociais que reivindicam a justa participação na sociedade; são de esquerda ou de direita? Mas temos governantes, “políticos”, que insistem em estabelecer duas abas: esquerda e direita...
Ocorre que são essas pessoas que não conseguem ver que já faz tempo que saímos do século XIX e que ainda continuam tomando as decisões, e as decisões erradas, e veem toda essa gama de manifestações sociais como “coisa alienada...”
Nós não temos valor algum... A vida da pessoa brasileira é calculada em cesta básica. Uma vida: doze cestas básicas. É o famoso homicídio culposo. Quando a deputada estadual Janaína Paschoal tuitou dizendo que Brumadinho não era acidente, mas homicídio, isso passou como um nada... Mas é homicídio. Porém, os príncipes que nos governam não se preocupam com isso, pois não passa de homicídio culposo, cada vida vale não mais que doze cestas básicas... Não dá cadeia matar trezentas pessoas ou deixar uma dezena morrer “porque não fizemos o que tinha que ser feito...”
Os burocratas brasileiros, aqueles que são contra a reforma da Previdência porque não querem perder a “boquinha” enquanto o resto da população morre de fome para eles continuarem a viver como nababos, sem esforço algum, não se preocupam com o “populacho”; se preocupam com o “marxismo cultural” que deve ser erradicado... A fome, a pobreza, o atraso, a violência, o analfabetismo não precisam ser erradicados, mas o marxismo cultural...
A gente não vale nada...
No romance Clara dos Anjos de Lima Barreto, justamente a pobre menina Clara, abusada por um cafajeste, enganada até perder sua inocência e ainda acreditar que naquilo havia amor, sem perceber que se tratava de engodo, dá a última frase, que até agora parece refletir a realidade do brasileiro que não está “abrigado” pelo Estado brasileiro: “Nós não somos nada nesta vida.”