Grupos de WhatsApp em condomínios: Entre a comunicação eficiente e o risco jurídico

26

mai | 2025

Grupos de WhatsApp em condomínios: Entre a comunicação eficiente e o risco jurídico

Fui surpreendido no dia 21/05/2025 ao folhear a edição de O Estado de São Paulo por um excelente artigo da síndica profissional Lígia Ramos, tratando com sensibilidade e lucidez de um tema muito presente na vida em condomínio: os grupos de WhatsApp condominiais. A provocação do título: “válvula de escape ou campo minado”, é mais que pertinente, pois esses grupos muitas vezes oscilam entre o apoio mútuo e o desgaste coletivo.

Por trás de uma tela de celular, entre emojis, avisos e desabafos, se esconde uma ferramenta muito usada na vida condominial moderna: os grupos de WhatsApp. Criados com a intenção de facilitar a comunicação entre vizinhos, síndicos e funcionários, esses grupos podem se transformar em arenas de debate, tribunais populares e, por vezes, em verdadeiras bombas-relógio emocionais e jurídicas.

Em tempos de hiperconectividade e baixa tolerância à frustração, os grupos de WhatsApp oferecem aquilo que muitos procuram no fim de um dia exaustivo: uma chance de se expressar. Num espaço onde não há moderação profissional, tempo de reflexão ou mediação formal, o que deveria ser canal de apoio vira terreno fértil para impulsos, julgamentos e ataques.

Afinal, o que explica a facilidade com que, num simples grupo de condomínio, vizinhos se tornam inimigos e síndicos são rotulados como autoritários ou negligentes? A psicologia oferece algumas respostas.

O que está por trás do comportamento nos grupos

Tem sido comum despejarmos em terceiros as angústias que não conseguimos resolver. Ao receber uma advertência ou ser lembrado das regras de convivência, o morador pode reagir como se tivesse sido ofendido pessoalmente. E, em vez de lidar com a frustração de forma racional, recorre ao grupo para desabafar — sem filtro, sem responsabilidade.

Há também uma busca inconsciente por validação. Quando alguém publica uma crítica, não busca apenas “informar”, mas também reunir apoio, conquistar aliados. O emoji de um vizinho, o comentário de concordância, funcionam como reforço emocional. E, assim, conflitos ganham corpo, se intensificam, e a convivência se deteriora.

Mas o problema não é apenas emocional. É também jurídico, e, neste ponto, muitos ignoram os riscos.

Quando a opinião vira crime

Diferentemente do que muitos pensam, o grupo de WhatsApp, mesmo sendo um espaço informal, está sujeito às leis. E os crimes de opinião mais recorrentes no contexto condominial podem ter consequências graves:

· Injúria (art. 140 do Código Penal): ofensa à dignidade de alguém com palavras como “burro”, “preguiçoso”, “inútil”.

· Difamação (art. 139): atribuir fatos ofensivos à reputação, mesmo que verdadeiros, como “ele é incompetente”, “vive sumido”, “nunca faz nada direito”.

· Calúnia (art. 138): acusar falsamente de um crime, como dizer que o síndico “rouba”, “favorece amigos”, “desvia dinheiro”.

· Dano moral: o ofendido pode buscar indenização, mesmo que não haja crime, se sofrer humilhação, exposição vexatória ou prejuízo à imagem.

Além disso, críticas públicas a funcionários podem configurar assédio moral, com consequências trabalhistas e até indenizações a cargo do condomínio.

É ainda mais sério quando síndicos usam os grupos para repreender moradores publicamente, expõem nomes, adotam tom irônico ou agressivo e acabam alimentando o mesmo ciclo de hostilidade que precisariam conter. A autoridade do síndico deve se manifestar com firmeza, sim, mas também com equilíbrio, discrição e inteligência emocional, para evitar enquadrar-se aos tipos penais descritos acima, resultando na sua responsabilização ou do condomínio que administra.

Como deveríamos usar os grupos com segurança e civilidade?

A comunicação digital não precisa ser inimiga da boa convivência, mas precisa de maturidade. Para isso, seguem recomendações práticas que ajudam a transformar o grupo de WhatsApp em aliado, e não em ameaça:

1. Evite desabafar no calor do momento respirando antes de responder, especialmente se estiver irritado, use a regra de pensar 60 segundos.

2. Não exponha pessoas diretamente evitando citar nomes ou números de apartamento ao fazer reclamações.

3. Não compartilhe imagens, prints ou áudios de terceiros sem permissão por configurar violação da privacidade, direito de imagem e até LGPD.

4. Cumpra as regras do condomínio, inclusive nos grupos lembrando que o grupo não substitui os canais oficiais.

5. Mantenha o foco em assuntos objetivos e úteis, como avisos, sugestões, alertas, perda de animais, problemas técnicos.

6. Evite julgamentos e generalizações focando no fato, não na pessoa.

7. Seja cordial, mesmo ao discordar pois a divergência faz parte da vida em grupo, mas a ofensa não.

8. Procure os canais formais para reclamações sérias , como e-mails, livro de ocorrências, canais da administradora ou contato direto com o síndico.

9. Ajude a moderar o grupo com bom senso, incentive a calma e a objetividade.

Viver em condomínio é exercitar, diariamente, a arte do convívio, esse delicado equilíbrio entre o eu e o outro, entre o direito e o dever. Nos grupos de WhatsApp, podemos cultivar pontes ou cavar abismos, dependendo da consciência com que usamos as palavras. O impulso de mandar uma mensagem pode encontrar validação coletiva ou não, podendo as mensagens construir entendimentos ou ferir. Nesse espaço, gentileza, empatia, bons modos e silêncio precisam revelar sua força.

Marcelo de Almeida

Marcelo de Almeida

" Marcelo de Almeida  é advogado e arquiteto com mais de 25 anos desde a primeira formação, atuando nas áreas de direito condominial e imobiliário, além da arquitetura e manutenção predial. Inserido em um grupo empresarial com quase sete décadas de tradição, alia conhecimento jurídico e técnico à visão estratégica adquirido ao longo de sua carreira multidisciplinar."